as almas, os pássaros

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sexta-feira, 23 de setembro de 2011




Há dias em que me sinto a sombra da falsa luz e a luz da falsa sombra.
A dualidade em mim é extrema e una.
Tudo se quebra à minha passagem.
Tudo se volta a reunir.
O que fica quebrado nunca existiu.


terça-feira, 20 de setembro de 2011

Um barco, um barco para esta luz!

Teresa Vale



Voltando um pouco atrás
à costura das fotografias
àquela escuridão pulmonar onde te vi
pela primeira vez onde eras
mais que certo quase cavalo
quase branco
a galope nos meus dentes.
Fotografias do tempo em que chamavas
árvore de rapina ao instrumento
que te educava os dedos.
Um dedilhar de amigo
à beira do vinhal.
Um encantar de amigo.


Se te deixasse ficar à sombra
haveria ainda as linhas da tua mão
tão irregulares tão imponderáveis
como a chuva nas boas noites.
Haveria ainda o perfume das grainhas
na primeira curva da manhã.
Era no tempo das fotografias.
Agora, dizes tu, há o orvalho dos murtais
um cesto silencioso e humano.


Nunca saberás que isso a que chamas
silêncio orvalho
eu chamo música
e toco-a.

Catarina Nunes de Almeida, in Bailias, Deriva, 2011
Desaprendeu a espera - come o pão sem saborear o sol - corta até o sol do pão com uma faca afiada - o breve sol na côdea funde-se com os dentes - corre o risco de acordar.

Desaprendeu os laços - tecla sem saborear a vida - esmaga até a vida nas teclas - a leve vida nos dedos estala no peito - corre o risco de sentir.

Desaprendeu a liberdade - vai de um ponto ao outro sem ver o céu - apaga até o céu das árvores - o céu matinal nas árvores cria pássaros - corre o risco de levantar vôo.

Desaprendeu a verdade - endivida-se por mentiras perdendo o essencial - arranca até o essencial da alma
- o essencial particular da alma grita muito - corre o risco de sofrer.

Desaprendeu o amor - só existem personagem nos monitores - cegou até para o toque - do amor do toque real nascem lágrimas - corre o risco de mudar.

e agora tudo se vai: o pão sem côdea, as teclas e os monitores, as cidades e as ruas mortas, os carros velozes, os antibióticos e os anti-depressivos, o crédito e as mentiras, et cetera, et cetera, et cetera, et cetera, et cetera, et cetera...

no final sobra silêncio

algumas pedras


Se o de esquerda é demasiado burro para governar, o de direita é demasiado estúpido. Entre um burro revolucionário e um estúpido reaccionário, prefiro o burro revolucionário, até porque o estúpido costuma ter a mania que é inteligente. O primeiro tem pelo menos no horizonte a noção de livre-pensamento, liberdade, compaixão. O segundo tem no horizonte a escravidão, a começar pela própria. Do burro pode-se esperar o caos criativo, do estúpido apenas a prisão. O que eu gostava mesmo, mesmo, era de um equilíbrio, de um consenso, de diálogo. Mas tal não é possível no actual panorama político. Entre o burro revolucionário e o estúpido reaccionário existe apenas uma massa amorfa e corrupta. Assim sendo, vou votar num novo parádeigma, a partir do qual espero uma nova realidade venha ao ser.

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta


Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício


Como a voz do mar
Interior de um povo


Como página em branco
Onde o poema emerge


Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"

 




Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. 

Miguel Esteves Cardoso

A leitora abre o espaço num sopro subtil.
Lê na violência e no espanto da brancura.
Principia apaixonada, de surpresa em surpresa.
Ilumina e inunda e dissemina de arco em arco.
Ela fala com as pedras do livro, com as sílabas da sombra.
Ela adere à matéria porosa, à madeira do vento.
Desce pelos bosques como uma menina descalça.
Aproxima-se das praias onde o corpo se eleva


em chama de água. Na imaculada superfície
ou na espessura latejante, despe-se das formas,
branca no ar. É um torvelinho harmonioso,
um pássaro suspenso. A terra ergue-se inteira


na sede obscura de palavras verticais.
A água move-se até ao seu princípio puro.
O poema é um arbusto que não cessa de tremer.


António Ramos Rosa


A minha rosa quer adormecer e eu não deixo. Se ela adormece, morro. Olho os quatro pontos cardeais da Terra e vejo a Humanidade acéfala dirigida pela gulosa Ignorância, a gananciosa Cegueira e a insaciável Fome.  Pedem-me para traçar os planos do poder e vejo os últimos redutos incendiados, em todas as direcções em que olhe. Não tenho mais onde refugiar-me, que mãe é esta que não vê a dor da sua filha? Há livros que acabam bem. Há filmes que acabam bem. A Vida e a Poesia não acabam bem. 
 


Fonte da imagem: Temperance and greed
                                            
                                                a oposição à luz redunda em chaga aberta
                                                miragem, não posso ficar,
                                                porque dói, não posso,
                                                quando ela parte
                                                vou atrás

Let it go. Let it go.

Não nos que nos são do sangue e da alma. É raro partilhar aqueles que me são conjuntos. Mas quando uma imagem tem o valor da Palavra. Aqui está. Só gostava que pudessem ser - também - os Avós. Os que nos estão e são, raíz viva.


Fotografia de Maria Nobre, prima da Maria Francisca

"...the people who are crazy enough to think they can change the world are the ones who do."

Steve Jobs

Morra o bispo e morra o papa.
maila sua clerezia.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!
Morram frades, morram freiras.
maila sua virgaria.
Ai rosas de sangue e leite.
que só a terra bebia!
Morra o rei e morra o conde.
maila toda fidalgula.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!
Morram meirinho e carrasco.
maila má judicaria.
Ai rosas de sangue e leite.
que só a terra bebia!
Morra quem compra e quem vende,
maila toda a usuraria.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!
Morram pais e morram filhos.
maila toda filharia.
Ai rosas de sangue e leite.
que só a terra bebia!
Morram marido e mulher.
maila casamentaria.
Ai rosas de leite e sangue,
que só a terra bebia!
Morra amigo, morra amante.
mailo amor que se perdia.
Ai rosas de sangue e leite,
que só a terra bebia!
Morra tudo, minha gente.
vivam povo e rebeldia.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!

Jorge de Sena

 We were never able to afford the rich. The rich are here to teach us we can not afford them and we must therefore dream further.

Mas em português, é assim: a Vida não existe para sustentar os predadores. Os predadores estão aqui para nos ensinar que não podemos sustentá-los e que temos, portanto, de sonhar para além deles. Não somos rosas de leite e sangue. Apenas. Maila, maila, baila.

 

Se tenho que bater, não sorrio. Beijo e choro. Não sorrio. Quem sorri quando bate tira disso um secreto e íntimo prazer. O odioso e lamacento prazer do ego. Por vezes temos que bater. Se dizer a verdade é bater. Se espelhar o feio é bater. Beijamos e choramos. Não sorrimos. Quem sorri quando bate é falso. Quem sorri quando bate mente, pois aprecia o poder de bater em vez de sofrer a dor de bater.


Poucas têm um rosto tão perfeito e uma alma tão perfeita como a tua. Atrás de ti haverá sempre aqueles que te invejam e tentarão deitar-te abaixo. Jamais compreenderão a tua necessidade de voar até aos céus, pousando nos ramos de árvore que melhor impulso te dão. Por esses, deverás sentir apenas compaixão. Um dia, sentir-se-ão gratos por terem sido os ramos de árvore onde pousou uma ave de luz, antes de partir em direcção à felicidade. Assina: fada-madrinha.
Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-Ihe, e ganhar-Ihe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?

Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar

José de Almada Negreiros
Poemas
Assírio & Alvim


domingo, 4 de setembro de 2011

devagar, o tempo transforma tudo em tempo. 
o ódio transforma-se em tempo, o amor 
transforma-se em tempo, a dor transforma-se 
em tempo. 


os assuntos que julgámos mais profundos, 
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, 
transformam-se devagar em tempo. 


por si só, o tempo não é nada. 
a idade de nada é nada. 
a eternidade não existe. 
no entanto, a eternidade existe. 


os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos. 
os instantes do teu sorriso eram eternos. 
os instantes do teu corpo de luz eram eternos. 
foste eterna até ao fim. 

José Luís Peixoto, in Uma casa na escuridão

Feliz aniversário, José Luís Peixoto.

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