A minha vida tornou-se subitamente insuportavelmente perfeita, as árvores ao crepúsculo ficam como sombras chinesas e os pássaros são traços desenhados com tinta-da-china, lembram-me as Ilhas de seios altos contra o mar. Sonhei com elas nas sombras chinesas e apareceram, perfeitas, simplesmente, com um barco debaixo dos calcanhares, o vento sob as axilas que eram como asas de uma catedral
Chegou a altura de partir, o meu coração está cansado, dia a dia bate mais devagar levo os meus cães comigo, é tudo e nada
Insuportavelmente perfeita, seria suportavelmente perfeita, não fossem as ancoras, as alantas [a minha alma é um spi de alantas soltas], os rizes [porquê rizada, não preciso], os lais de guia, os nós de oito, os nós direitos, o meu barco é diferente, não tem nós, as velas não se caçam, o mastro é suspenso em luz apontado ao céu, o corpo é de gaivota branca vegetariana, não ao encontro dos elefantes e das zebras, levo os meus cães comigo, mas cansada dos nós, muito cansada, o coração quase que pára, o sangue não corre, os rios, amo tanto o Verão que dói, odeio o inverno e tudo o que nele finge que nasce, sou criatura do fogo, da vida, do calor, quero lá saber das dívidas de vidas passadas, que fiz eu, afinal, a não ser largar lastro e pregar umas bofetadas nos mais ordinários e o que é isso, comparado com o mal
Perante o mal, o que é isso
Os ordinários escravos do mal, preguei-lhes umas bofetadas e depois nem merecem o fio da espada, a espada que me faz espelho, não gostas do espelho, pois não gostas, nem sequer deus algum mora em ti
Agora é escolher o mar, um mar pequeno, mediterrânico, com varanda de sombras chinesas e tinta-da-china, se for atlântico, Ilha, de seios altos contra o mar, espaço para os meus cães, que já foram os meus cavalos e eu fui, um dia, uma espécie de musaranho, que eles protegeram da fúria cega dos céus
Foi aí que aprendi a amar a Terra