Foi num Outubro quente que ouvi isto a primeira vez, da boca da minha avó Jorseth. No Inverno seguinte, houve temporais. Lembro-me disso e lembro-me também de que não havia melhor boletim meteorológico do que o do meu avô Manuel. Os antigos não eram alienados, como os de hoje. Ditados populares, crendices ou um conhecimento profundo da natureza, o que é certo é que quando falavam, as coisas aconteciam, assim como se - tal como nos livros de fantasia de hoje - eles conhecessem o nome verdadeiro das coisas. Este é o segundo Outubro quente de que me lembro e eles, os avós, já não estão comigo. Lembro-me deles e das suas palavras e da casa sempre cheia de pessoas e dos poemas e dos contos lidos em voz alta, do cheiro do arroz doce e do leite creme, o meu avô a apanhar romãs para a minha avó. Não sei se este Outubro também traz o diabo no ventre, mas agradeço ao Verão ter esperado pelas minhas férias. Assim, posso ainda andar descalça pela casa e pelo jardim, a apanhar as últimas amêndoas e romãs, enquanto espero pelos meus novos óculos para poder voltar a ler. Pela primeira vez desde há três anos e meio, sinto uma grande tranquilidade nestas férias, quase como se fossem férias grandes. Digo todos os dias a mim mesma que não mereço o que a vida me tem dado. Porquê a mim? E se não é a vida que me dá tudo isto, a minha casa, a minha família, o meu novo trabalho, as pessoas que me rodeiam e se preocupam comigo, como e porquê? A minha avó teria uma resposta simples: nasceste no segundo dia de lua nova, vais ter sempre sorte na vida.