A nossa vida quotidiana está sempre a ser bombardeada pelos acasos. Mais exactamente, por encontros fortuitos entre as pessoas e os acontecimentos, ou seja, por aquilo a que costumamos chamar coincidências. Há uma coincidência quando dois acontecimentos inesperados se produzem ao mesmo tempo, quando se encontram um com o outro.[...] Para que um amor se torne inesquecível é preciso que, desde o primeiro momento, os acasos se reúnam nele como pássaros pousando nos ombros de São Francisco de Assis.
Não há, portanto, razão nenhuma para censurar aos romances o seu fascínio pelos misteriosos cruzamentos dos acasos, mas há boas razões para censurar o homem por ser cego a esses acasos na sua vida quotidiana e assim privar a vida da sua dimensão de beleza.
[...]
O acaso tem seus sortilégios, a necessidade não. Para que um amor seja
inesquecível, é preciso que os acasos se encontrem nele desde o primeiro
instante como os pássaros nos ombros de são Francisco de Assis.
Milan Kundera, in A insustentável leveza de ser
E dizia eu hoje a mim mesma que foram apenas coincidências, apenas isso, coincidências. Cruéis e inesperadas coincidências. E vinguei-me. Matei todos os pássaros.
Foto de Radin Badrnia