as almas, os pássaros

as almas, os pássaros

as almas, os pássaros

as almas, os pássaros

Mostrar mensagens com a etiqueta Kyrielle. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Kyrielle. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 21 de agosto de 2008


Há muitas eras atrás, vivia no Ribatejo um Rei foragido. Ele era um foragido, porque embora tivesse nascido Rei, nunca o tinha querido ser. E assim, quando a ocasião se proporcionou, pela calada de uma certa noite, aparelhou e montou o cavalo que havia pertencido a seu Pai, o Rei-Surdo e cavalgou, cavalgou, até chegar ao Ribatejo. Aí, soltou o cavalo, que imediatamente se sentiu em casa com os seus amigos Lusitanos selvagens, e refugiou-se numa pequena casa de cal, abandonada.
O sonho dele era ser Poeta. Não podia ser Poeta, sendo Rei. Começou por recuperar a casa abandonada, pois é com o trabalho das nossas mãos que a poesia começa a formar-se, dentro da nossa cabeça. A casa era pequenina. Tinha um quarto, que também era sala, com uma lareira de pedra. Estava em muito mau estado, mas o Poeta voltou a caiá-la por fora e a pintá-la por dentro, removeu todo o entulho e com a madeira abandonada no terreno circundante, construiu a cama, a mesa, as cadeiras e até uma escrivaninha, para poder escrever.
O meu nome é Menahel. Já apareci noutras histórias. Preocupei-me com este Rei-Poeta, pois estava sozinho e esquecia-se de comer. Mal a mesa ficou pronta, passei a deixar todas as noites em cima dela um pão e uma garrafa de vinho que surripiava das quintas vizinhas. O Rei-Poeta comia e bebia, e nem se lembrava de perguntar como é que o pão e o vinho tinham aparecido na sua mesa. É natural. Afinal, tinha sido criado como Rei. Estava habituado a ser servido. Quando terminou os trabalhos de recuperação e carpintaria, sentou-se pela primeira vez à escrivaninha, com o pergaminho, pena e tintas que trouxera do palácio do Rei-Surdo e preparou-se para escrever o seu primeiro poema. Estava uma bela tarde nas Lezírias. Era Verão e estava calor, mas dentro da casinha caiada de branco estava fresco. Pela porta e janelas abertas entrava uma brisa cheia dos aromas da terra e dos frutos maduros. O Poeta mergulhou a pena na tinta, aproximou-a do pergaminho… e ficou paralisado. A tinta pingou um enorme borrão no pergaminho.
Bem, é preciso dizer que este Poeta não acreditava nem nas musas dos poetas, nem em fadas, nem mesmo no Pai Natal. Muito menos em anjos ou unicórnios ou cavalos alados. Nem tinha reparado nas asas do cavalo de seu Pai. Afinal, tinha sido educado como Rei. E os Reis são educados para acreditarem apenas no poder e na divindade do seu sangue azul.
Fiquei novamente preocupada com o Poeta. Como iria ele escrever o seu primeiro poema, se durante a infância os seus educadores tinham afastado dele todas as musas, fadas, anjos e unicórnios? Eu era apenas uma fada. Não podia inspirá-lo. Quando muito, podia alimentá-lo. Esperei, muito sossegada, no canto da lareira, enquanto via os borrões encherem o pergaminho. Até que o Poeta chorou. Foi então que a Musa dele regressou. Surgiu da casa caiada, linda e branca, como uma inspiração e sentou-se no seu ombro. Não resistiu às suas lágrimas e muito menos aos borrões. Estava zangada com ele, e por isso decidiu que nunca nenhum dos seus Poemas teria título algum, pois também o Poeta não conheceria o nome da Musa rejeitada, que regressava agora. Assim, o primeiro poema que escreveu não tem título, como nenhum dos outros que escreveu depois, chamou-se apenas: Sem título (00) e, sem que ele o saiba, foi escrito e dedicado à Musa branca e linda, fruto do trabalho das suas mãos, renascida da sua casa de Poeta.
E durante anos e anos, alimentado por uma fada e inspirado pela Musa branca, prosseguiu com a sua Poesia, ao ritmo de apenas dois poemas por mês, porque não conseguiu esquecer totalmente a sua educação de Rei e tudo tinha de ser perfeito, poderoso e brilhante, como o trono e coroa que rejeitara. Não foi Rei-Poeta, mas foi Poeta-Rei. 
 

 

folhas soltas

a tua alma apontada (1) A viagem da alma (28) Agnieszka Kurowska (1) Agostinho da Silva (2) Agustina Bessa-Luís (1) Aida Cordeiro (1) Al Berto (1) Alexandre Herculano (1) Alisteir Crowley (1) Almada Negreiros (2) Amanda Palmer (1) amigos (1) Ana Cristina Cesar (1) Ana Hatherly (1) Anne Stokes (1) Antero de Quental (1) António Lobo Antunes (2) António Ramos Rosa (2) Apocalyptica (1) apócrifos (2) Arte Virtual (1) as almas os pássaros (1) As Arqui-inimigas (1) Ashes and Snow (1) Auguste Rodin (1) autores preferidos (88) avós (1) Bocelli (1) Bon Jovi (1) Buda (1) Carl Sagan (1) Carolina (3) Caroline Hernandez (1) Catarina Nunes de Almeida (1) ce qu’il faut dépenser pour tuer un homme à la guerre (1) Cheyenne Glasgow (1) Chiyo-ni (1) Chogyam Trungpa Rinpoche (1) cinema (6) Cinema Paradiso (1) Clarice Lispector (1) Coldplay (1) Colin Horn (1) Constantin Brancusi (1) contos (28) Contos para crianças (6) Conversas com os meus cães (2) Curia (1) Daniel Faria (2) David Bohm (1) David Doubilet (1) Dítě (1) Do Mundo (32) Dylan Thomas (1) Eça de Queiroz (1) Eckhart Tolle (1) Edgar Allan Poe (1) Edmond Jabès (1) Elio Gaspari (1) Emily Dickinson (4) Ennio Morricone (1) Eric Serra (1) escultura (2) Federico Mecozzi (1) Fernando Pessoa (3) Fiama Hasse Pais Brandão (3) Fiona Joy Hawkins (1) Física (1) fotografia (9) Francesco Alberoni (1) Francisca (2) Fynn (1) Galileu (1) Gastão Cruz (2) Georg Szabo (1) George Bernanos (1) Giuseppe Tornatore (1) Gnose (2) Gonçalo M. Tavares (1) Gregory Colbert (1) Haiku (1) Hans Christian Andersen (1) Hans Zimmer (1) Henri de Régnier (1) Henry Miller (1) Herberto Helder (5) Hermes Trismegisto (1) Hilda Hilst (3) Hillsong (1) Hipácia de Alexandria (1) Igor Zenin (1) inteligência artificial (1) James Lovelock (1) Jean-François Rauzier (1) Jess Lee (1) João Villaret (1) Johannes Hjorth (1) Jonathan Stockton (1) Jorge de Sena (1) Jorge Luis Borges (2) Jorseth Raposo de Almeida (1) José Luís Peixoto (2) José Mauro de Vasconcelos (1) José Régio (1) José Saramago (1) Khalil Gibran (1) Krishnamurti (1) Kyrielle (1) Laura (1) Linkin Park (1) Lisa Gerrard (3) Live (1) Livros (1) Loukanikos (1) Luc Besson (1) Ludovico Einaudi (1) Luis Fonsi (1) Luís Vaz de Camões (1) Luiza Neto Jorge (1) Lupen Grainne (1) M. C. Escher (1) M83 (1) Machado de Assis (1) Madalena (1) Madan Kataria (1) Manuel Dias de Almeida (1) Manuel Gusmão (1) Marco Di Fabio (1) Margaret Mitchell (1) Maria Gabriela Llansol (1) Memórias (25) Michelangelo (1) Miguel de Cervantes y Saavedra (1) Miguel Esteves Cardoso (1) Miguel Sousa Tavares (1) Miguel Torga (1) Milan Kundera (1) música (25) Neil Gaiman (1) Nick Cave (1) Noite de todos os santos (1) O sal das lágrimas (2) Olavo de Carvalho (1) Orações (1) Orides Fontela (1) Orpheu (1) Oscar Wilde (3) Palavras preferidas (1) Palavras que odeio (1) Paolo Giordano (1) páscoa todos os dias (3) Patrick Cassidy (1) Paul Valéry (1) Paulo Melo Lopes (2) pensamentos (76) pintura (5) Platão (1) poemas (15) Poemas Gregos (2) Poesia (2) prosas (25) Prosas soltas (1) Radin Badrnia (1) Richard Linklater (1) rios de março (1) Roland Barthes (1) Russell Stuart (1) Serafina (2) Shalom Ormsby (1) Sigur Rós (1) Simone Weil (1) sobrinhas (5) Sócrates Escolástico (1) Sofia Raposo de Almeida (176) Sophia de Mello Breyner (14) Stephen Fry (1) Stephen Simpson (1) Steve Jobs (1) Susan J. Roche (1) Sytiva Sheehan (1) Teresa Vale (1) The Cinematic Orchestra (2) The Verve (1) Thomas Bergersen (1) Todd Gipstein (1) Tomás Maia (1) traduções de poemas (5) Uma Mulher na Foz de um Rio (4) valter hugo mãe (1) Vincent Fantauzzo (1) Wayne Roberts (1) wikihackers (1) William Blake (2) Yeshua (2) Yiruma (1)

cinco mais