as almas, os pássaros

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quinta-feira, 21 de maio de 2009



Aimer tout son amour
Vivre toute sa vie
Mourir toute sa mort

[George Bernanos]

Porque a única coisa que podemos realmente dar aos outros, é quem nós somos… nada mais nos pertence, realmente. Se pensarmos bem, nem pertencemos a nós próprios, a vida muda-nos mas, em cada momento, em cada espaço-tempo, existimos, somos quem somos nesse espaço e nesse tempo, e são esses estados de alma que podemos partilhar.

Para celebrar o primeiro encontro do fórum Art(em)ovimento, que vai ser passado no mar, deixo aqui um conto antigo meu, muito antigo mesmo, do tempo em que a Inês era ainda uma criança despreocupada e feliz.

O Barco

Aquele barco deixou-me, desde a primeira vez que o vi, uma impressão de familiaridade, como se o conhecesse há muitos anos. Estava atracado na doca, a proa afilada virada para pontão, o corpo largo, sólido, uma expressão de aborrecimento emanava dele.
Olá!
Agarrei-lhe a proa e subi-lhe para cima.
Quem és?, perguntou-me, com um ar de despeito.
Chamo-me Inês. E tu?
Tenho o meu nome escrito à popa, se te quiseres dar ao trabalho, vai ver.
Percorri o convés de fibra. A capa da vela grande estava suja e gasta. O estai com enrolador não tinha a genoa. Via-se que era um pobre barco, ali parado e todo desprezadinho há imenso tempo. O nome lá estava, via-se mal, as letras quase sumidas, a côr quase irreconhecível: T nu el.
Tnuel!, exclamei eu. É um nome como outro qualquer. Em troca, só um silêncio pesado e ofendido.
Tnuel, estás muito aborrecido. Porquê?
Novo silêncio, ainda mais denso.
Se não te apetece falar, não fales. Andava simplesmente aqui, a passear pelas docas e vi-te com um ar tão enfastiado… pensei que gostasses de desabafar.O silêncio tornou-se menos denso.
Não és pessoa, pois não?, acabou por me perguntar, com uma voz mais levezinha.
Não. Não sou pessoa.
Então o que és? Tens nome de pessoa…
Sorri.
Não te chamas Tnuel, realmente, pois não? O que é que aconteceu ao resto do teu nome e a que é que ele soava? Tens dono? Porque é que estás com ar de quem não larga daqui há imenso tempo?O barco suspirou, o corpo a estremecer.
Por onde é que queres que comece? O meu nome completo é Tinúviel. Acho que tenho dono, mas ele abandonou-me. E por isso é que tenho este aspecto tão degradado e não saio daqui há anos. Nem o fundo me têm limpo e estou meio consumido pela osmose.
Tossiu ligeiramente, para exemplificar.
Viajei bastante, nos meus tempos áureos. Sou francês.
Parecia dizer aquilo com um certo orgulho.
Os meus primeiros donos eram francêses. E esses gostavam de mim. Mais tarde, quando mudei de dono, não foi mau. Diverti-me um bom bocado e percorri o Mediterrâneo todo. Visitei muitas ilhas…. Depois….
Suspirou profundamente e senti a vela grande a estremecer, dentro da capa velha.
Não sei que se passou. O meu dono desapareceu e fiquei para aqui aparvalhado…
Estava vento. Um vento forte de norte, fresco. As adriças do Tinúviel tilintavam no mastro.
Queres dar uma volta?
A sua expressão foi de espanto.
Tu não és pessoa, não podes sair comigo.
Dei-lhe uma palmada na retranca.
Posso. Com uma condição. Tens de mudar de nome e esquecer o passado..
Como é que eu faço isso?
Querendo., respondi.
E como é que me iria chamar?
Quando pronunciei o nome mágico, o vento soprou mais forte. As palavras soaram magicamente na manhã. Vi o barco concentrar-se com tanta força, que a vela grande e o casco se enrugaram ligeiramente e, de repente, a genoa grande e branca, orlada de azul, surgiu enrolada no estai. A côr do barco, de um creme sujo, transformou-se num branco nevado. A capa da vela grande desapareceu e a vela estava solta, também muito branca, meio descaída da retranca. Uma listra azul percorria-lhe o corpo e as letras do novo nome brilhavam ao sol da manhã. Os cabos de amarração soltaram-se e enrolaram-se devidamente. Como que conduzido por uma mão mágica, o barco deslizou para fora da doca. Quando chegámos ao rio, icei as velas e largámos em direcção à foz. O sol subia no céu, aquecendo o ar. O barco fez ouvir a sua voz, transformada, alegre:
Nada há como o vento! Nada há como o vento!
E berrámos os dois, de puro contentamento.


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