as almas, os pássaros

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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.


Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 12 de março de 2012







Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar.

Sophia de Mello Breyner

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Não creias, Lídia que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiámos colher.


Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.


Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.


Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre mais à frente
Do que o teu próprio passo. 

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta


Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício


Como a voz do mar
Interior de um povo


Como página em branco
Onde o poema emerge


Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"

 


quinta-feira, 30 de junho de 2011




Tempo de solidão e de incerteza

Tempo de medo e tempo de traição

Tempo de injustiça e de vileza

Tempo de negação



Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo de escravidão



Tempo dos coniventes sem cadastro

Tempo de silêncio e de mordaça

Tempo onde o sangue não tem rasto

Tempo da ameaça

Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.


Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.


Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Obra Poética, 1919-2004


quarta-feira, 29 de junho de 2011

Margens inertes
abrem os seus braços
Um grande barco no silêncio parte.
Altas gaivotas nos ângulos a pique,
Recém-nascidas à luz, perfeita a morte.
Um grande
barco parte abandonando
As colunas de um cais ausente e branco.
E o seu rosto busca-se emergindo
Do corpo sem cabeça da cidade.
Um grande
barco desligado parte
Esculpindo de frente o vento norte.
Perfeito azul do mar, perfeita a morte
Formas claras e nítidas de espanto.


Sophia de Mello Breyner Andresen



Quando a pátria que temos não a temos

Perdida por silêncio e por renúncia

Até a voz do mar se torna exílio

E a luz que nos rodeia é como grades

 

Sophia de Mello Breyner 


Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.

Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixes.

Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas,
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.

As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.

E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.


Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Pela Grécia e por todos nós. Digo eu.
 
Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos

E em Delphos centro do mundo
Ressurgiremos ainda na dura luz de Creta


Ressurgiremos ali onde as palavras
São o nome das coisas
E onde são claros e vivos os contornos
Na aguda luz de Creta


Ressurgiremos ali onde pedra estrela e tempo
São o reino do homem
Ressurgiremos para olhar para a terra de frente
Na luz limpa de Creta


Pois convém tornar claro o coração do homem
E erguer a negra exactidão da cruz
Na luz branca de Creta.

Sophia de Mello Breyner Andresen in Livro Sexto


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009



De um amor morto fica
um pesado tempo quotidiano
onde os gestos se esbarram ao longo do ano

De um amor morto não fica
nenhuma memória
o passado se rende
o presente o devora
e os navios do tempo
agudos e lentos
o levam embora

Pois um amor morto não deixa
em nós seu retrato
de infinita demora
é apenas um facto
que a eternidade ignora


Sophia de Mello Breyner Andresen





terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
Que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
Ardente e nua
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa
É então que se vê passar o silêncio
Navegação antiquíssima e solene

Sophia de Mello Breyner 

 
Vi no silêncio / navegação antiquíssima e solene de Sophia um cisne adormecido embalado nos braços do rio da noite.


É bom quando os cisnes dormem. A minha filha-demónio, que tem de crescer rapidamente, só viu os cisnes adormecidos. Eu já os vi acordados, um branco e um preto, quebram-me o sono com pesadelos, um cisne branco e um cisne preto enrolados como um novelo em fúria a tentarem matar o pato, um pato tão esmagado pelos cisnes que não lhe vejo a cor.
No pesadelo o pato chamou-me, os patos gritam? choram? e fomos as duas de mãos dadas à procura dele no lago, a criança muito pequena, os olhos enormes, um vestido branco de algodão. Olhámos para o lago vazio à tona e foi quando vimos as três aves afundadas, bem no fundo do lago, e a criança-demónio atirou-se à água, tentava salvar as três aves, tentava salvar os cisnes daquele ódio impiedoso pelo pato, tentava salvar o pato dos cisnes e eu agarrei a criança pelos pés, perdeu a consciência assim que o seu pequeno corpo caiu na água, tentava salvar as três aves, duas a morrer de ódio e a outra a morrer do ódio das outras duas, as três aves num abraço violento e mortal, tanta tensão, tanta força nos pescoços dos cisnes, como serpentes em redor do corpo do pato e eu tentava salvar a criança da dor, não lhe largava os pés, precisava segurar-lhe a cabeça, agarrava-lhe os pés, não a queria perto das aves, já estavam mortas, as aves já estavam mortas.
Não devemos tentar salvar os que já estão mortos, segurava a criança-demónio contra o peito e dizia-lhe, não morras a tentar salvar os que já estão mortos.
É bom quando os cisnes dormem, minha filha-demónio. Não os acordes. Cresce, mas não acordes os cisnes adormecidos.


Pintura de Frankie Welk


segunda-feira, 16 de novembro de 2009



Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-te na luz, no mar e no vento.

Sophia de Mello Breyner, in No Tempo Dividido e Mar Novo

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.


folhas soltas

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