Bateu à porta. Mais um sarcasmo. Como se necessitasse que lhe abrissem a porta. A um sinal de Sophia, a luz desapareceu. Dirigiu-se à porta, os olhos escuros a emitirem uma ténue luz violeta, e abriu-a. O seu único filho estava diante dela, num corpo humano alto, belo, o rosto perfeito, os lábios talvez demasiado grossos, demasiado encarnados.
- Mãe… murmurou, com a sua voz rouca e sedutora.
O lobo negro ergueu-se, o pelo eriçado, a rosnar. Pedro olhou-o, com desprezo.
- Controla a tua criatura. Ou não sabes tu que eu, se quisesse, a destruiria num nanossegundo?
- Sim, Pedro., respondeu Sophia, calando Omael com o pensamento. Poderias fazê-lo. Mas surgiria outro no seu lugar. E mais outro. E ainda outro. Não podes tocar-me.
Um esgar de ódio contorceu-lhe a expressão. Ele sabia.
- Como queiras. No entanto, vê-lo sofrer não seria agradável para ti. – E, mudando habilmente de assunto – Onde está o teu Arcanjo?
- O Arcanjo morreu, quando me traiu.
- Mãe… Sophia interrompeu-o, cansada.
– És um falso deus, Pedro. Nada sabes da luz, dos éons ou dos arcanjos, embora estes últimos tenham sido iniciados por ti. Nem tens compreensão alguma do que seja a morte. Quanto aos Humanos, tens-te esforçado, filho, mas em vão. Viraste-os uns contra os outros, vezes sem conta, mas ainda não conseguiste controlá-los.
- Como te enganas, minha Mãe. Olha à tua volta. Usaram os cadáveres dos anjos caídos como energia. Libertaram de novo a escuridão. Quase toda a água do planeta está envenenada. Quando não tiverem água nem comida, virar-se-ão para mim. Duvidas? Não os conheces ainda?
Sophia estremeceu e preparou-se. Viera, como habitualmente, só para a atormentar.
- Queres que enumere quantas criaturas foram extintas o ano passado? Quanto caos foi criado? Tirou do bolso interior do casaco um enorme charuto, cortou-lhe a ponta com os dentes e acendeu-o com vagar. Inspirou profundamente e, deixando que o fumo lhe saísse voluptuosamente pelo nariz, boca e orelhas, continuou:
- As florestas morrem, a comida e água já está envenenada e não sei se reparaste, agora culpam os fumadores… como eu, dos tumores que lhes crescem no corpo. Farão o que eu disser, Mãe. Como fizeram outros no passado. Pertencem-me, de corpo e alma.
- Ao fim de todos estes milhões de anos, Pedro, não capturaste um único pedaço de espírito, um só micrograma de luz.
Os olhos de Pedro escureceram ainda mais, quando viu o corpo de sua Mãe desaparecer e fundir-se com a luz, emanando raios violeta, dourados e brancos. Estendeu a mão e Omael ganiu. Desfez-se em chamas demasiado rapidamente. Assim que Pedro desapareceu, Sophia regressou, os longos cabelos cheios de chuva, os braços carregados de sementes e, sobre os tições retorcidos de Omael, nasceu mais um lobo negro. Com um longo suspiro, preparou-se para mais uma discussão, desta vez com Miguel.