O Um foi o grande amor da minha vida. A minha alma gémea, para quem acredita em almas gémeas. Foi também o único homem perfeito que conheci. Perfeito para mim, claro. Alto, moreno, de olhos verdes, mãos grandes, boca larga, um sentido de humor surpreendente, com uma infinita paciência para o meu mau feitio e ainda por cima, um cavalheiro. E no entanto... nenhuma destas qualidades o tornava perfeito. O que o tornava perfeito é que eu era perfeita para ele. Ou seja, éramos perfeitos um para o outro. O nosso estar ao lado um do outro era diferente do estar ao lado de outra pessoa qualquer. Nós sabíamo-lo e sabiam-no os outros. Ele era a minha almofada de criança, a minha casa, o meu chão e o meu céu, o mar que me alimentava a alma e o abismo que me obrigava a mergulhar, a muralha contra a qual eu me quebrava e a origem primeira do meu vôo. E é, ainda hoje, a razão porque ninguém me quebra, porque a água não se quebra. Ele é a nascente dos meus rios de março. E não, o texto em baixo não foi escrito para ele, foi escrito para o Dois, o das mãos pequenas, mas foi escrito na altura em que o larguei e regressei ao Um. Foi um texto de despedida. É um texto de adeus, saudade e regresso à fonte. Um texto nascido para o Dois, mas com raíz no Um.
Todos os outros que amei depois, não apenas o Dois, eram imperfeitos. Mas não eram imperfeitos no sentido de lhes faltar algo. Eram completamente errados. Até mesmo fisicamente. Talvez exista em mim uma profunda lealdade ao Um, que me impede de me apaixonar por outro homem que se aproxime da perfeição dele e por isso procure os homens errados. Ou talvez, quando nos separamos da alma gémea, seja para aprender e crescer para além da nossa perfeição. Quem sabe se, quando nos apaixonamos por idiotas, não será para descobrir e confrontar uma certa idiotia em nós. Quando nos apaixonamos por um mentiroso, pode ser que precisemos de extirpar de nós uma réstia de mentira. Quando nos apaixonamos por um ser ordinário, talvez tenhamos de trabalhar a nossa amabilidade para com os outros. Afinal, nós éramos perfeitos um para o outro. Mas seremos perfeitos para o resto da Humanidade? Não. Separados, continuamos no entanto ligados, a crescer e a aprender separados e juntos. E agora que, uma vez mais, os meus rios de março começaram a correr, regresso à nascente neste blog, à claridade, à luz. Reaprendo o que é o Amor, mais livre, mais limpa, mais verdadeira, mais amável, mais feliz. Afinal, aqueles que, como o Um e eu, procuram o amor no Outro, procuram o divino em si. Um. Dois, Três, Quatro, Cinco... foram apenas experiências, degraus, obstáculos a ultrapassar, para que um dia possa regressar ao Um, perfeita para ele, perfeita para a Humanidade. Daqui a muitas vidas.