as almas, os pássaros

as almas, os pássaros

as almas, os pássaros

as almas, os pássaros

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A leitora abre o espaço num sopro subtil.
Lê na violência e no espanto da brancura.
Principia apaixonada, de surpresa em surpresa.
Ilumina e inunda e dissemina de arco em arco.
Ela fala com as pedras do livro, com as sílabas da sombra.
Ela adere à matéria porosa, à madeira do vento.
Desce pelos bosques como uma menina descalça.
Aproxima-se das praias onde o corpo se eleva


em chama de água. Na imaculada superfície
ou na espessura latejante, despe-se das formas,
branca no ar. É um torvelinho harmonioso,
um pássaro suspenso. A terra ergue-se inteira


na sede obscura de palavras verticais.
A água move-se até ao seu princípio puro.
O poema é um arbusto que não cessa de tremer.


António Ramos Rosa


A minha rosa quer adormecer e eu não deixo. Se ela adormece, morro. Olho os quatro pontos cardeais da Terra e vejo a Humanidade acéfala dirigida pela gulosa Ignorância, a gananciosa Cegueira e a insaciável Fome.  Pedem-me para traçar os planos do poder e vejo os últimos redutos incendiados, em todas as direcções em que olhe. Não tenho mais onde refugiar-me, que mãe é esta que não vê a dor da sua filha? Há livros que acabam bem. Há filmes que acabam bem. A Vida e a Poesia não acabam bem. 
 


Fonte da imagem: Temperance and greed
                                            
                                                a oposição à luz redunda em chaga aberta
                                                miragem, não posso ficar,
                                                porque dói, não posso,
                                                quando ela parte
                                                vou atrás

Let it go. Let it go.

Não nos que nos são do sangue e da alma. É raro partilhar aqueles que me são conjuntos. Mas quando uma imagem tem o valor da Palavra. Aqui está. Só gostava que pudessem ser - também - os Avós. Os que nos estão e são, raíz viva.


Fotografia de Maria Nobre, prima da Maria Francisca

"...the people who are crazy enough to think they can change the world are the ones who do."

Steve Jobs

Morra o bispo e morra o papa.
maila sua clerezia.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!
Morram frades, morram freiras.
maila sua virgaria.
Ai rosas de sangue e leite.
que só a terra bebia!
Morra o rei e morra o conde.
maila toda fidalgula.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!
Morram meirinho e carrasco.
maila má judicaria.
Ai rosas de sangue e leite.
que só a terra bebia!
Morra quem compra e quem vende,
maila toda a usuraria.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!
Morram pais e morram filhos.
maila toda filharia.
Ai rosas de sangue e leite.
que só a terra bebia!
Morram marido e mulher.
maila casamentaria.
Ai rosas de leite e sangue,
que só a terra bebia!
Morra amigo, morra amante.
mailo amor que se perdia.
Ai rosas de sangue e leite,
que só a terra bebia!
Morra tudo, minha gente.
vivam povo e rebeldia.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!

Jorge de Sena

 We were never able to afford the rich. The rich are here to teach us we can not afford them and we must therefore dream further.

Mas em português, é assim: a Vida não existe para sustentar os predadores. Os predadores estão aqui para nos ensinar que não podemos sustentá-los e que temos, portanto, de sonhar para além deles. Não somos rosas de leite e sangue. Apenas. Maila, maila, baila.

 

Se tenho que bater, não sorrio. Beijo e choro. Não sorrio. Quem sorri quando bate tira disso um secreto e íntimo prazer. O odioso e lamacento prazer do ego. Por vezes temos que bater. Se dizer a verdade é bater. Se espelhar o feio é bater. Beijamos e choramos. Não sorrimos. Quem sorri quando bate é falso. Quem sorri quando bate mente, pois aprecia o poder de bater em vez de sofrer a dor de bater.


Poucas têm um rosto tão perfeito e uma alma tão perfeita como a tua. Atrás de ti haverá sempre aqueles que te invejam e tentarão deitar-te abaixo. Jamais compreenderão a tua necessidade de voar até aos céus, pousando nos ramos de árvore que melhor impulso te dão. Por esses, deverás sentir apenas compaixão. Um dia, sentir-se-ão gratos por terem sido os ramos de árvore onde pousou uma ave de luz, antes de partir em direcção à felicidade. Assina: fada-madrinha.
Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-Ihe, e ganhar-Ihe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?

Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar

José de Almada Negreiros
Poemas
Assírio & Alvim


domingo, 4 de setembro de 2011

devagar, o tempo transforma tudo em tempo. 
o ódio transforma-se em tempo, o amor 
transforma-se em tempo, a dor transforma-se 
em tempo. 


os assuntos que julgámos mais profundos, 
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, 
transformam-se devagar em tempo. 


por si só, o tempo não é nada. 
a idade de nada é nada. 
a eternidade não existe. 
no entanto, a eternidade existe. 


os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos. 
os instantes do teu sorriso eram eternos. 
os instantes do teu corpo de luz eram eternos. 
foste eterna até ao fim. 

José Luís Peixoto, in Uma casa na escuridão

Feliz aniversário, José Luís Peixoto.

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