as almas, os pássaros

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quinta-feira, 7 de junho de 2012

Quando o homem brinca com o violoncelo, este quebra-se.


Um corpo pousado no colo do homem, violoncelo, espigão ligado à terra, voluta-céu, o homem precisa de um arco-alma para o tocar, para lhe ouvir a voz, a alma do violoncelo é de abeto, perfeita, perfeitamente posicionada, aguarda o movimento do corpo macio, vibração transmitida ao fundo da luz, as cordas enroladas em prata anseiam as crinas de cavalo do arco de pau-brasil adormecido, não pode tocar-lhe com os dedos, o homem, com os dedos pode apenas tocar-lhe no pescoço, a mão acaricia a voluta e cai, o corpo precisa do arco, o arco precisa da alma do homem para existir, o homem não consegue despertar o arco, que lhe pende da mão, inerte. Só, tão só, o homem agarra o violoncelo e chora, nú.

[publicado no #2 da Contra-Corrente com o pseudónimo Laura Miguéis Raposo]



Pintura de Wayne Roberts, Austrália

segunda-feira, 9 de abril de 2012

súbitamente, tudo se vai. Escondo-me debaixo do palco, a música a ribombar-me na alma, como uma trovoada. Não quero que ninguém me veja, a luz, as lágrimas, a exactidão de todas as coisas. Escondo-me debaixo do palco e choro almadamente. No meio da tempestade, de todas as perdas, de toda a dor, conheço a perfeição. É algo que nunca se esquece. Debaixo do palco. Talvez devesse ter ficado em cima do palco, de braços abertos, o sangue como rios loucos, a baterem, a esmurrarem as margens, mas para quê? Tudo seria invisível para os cegos.
Quando dormimos, voamos das ameias, largamos o forte. Tocamos em pianos quebrados como steinways. Ligamo-nos à fonte.


sábado, 7 de abril de 2012

as ilhas não podem ser senão ilhas, num mundo onde os continentes se suicidam. mas o olhar das ilhas tem raízes na água. e a água liga tudo.


Fotografia: David Doubilet

quinta-feira, 5 de abril de 2012

uma verdadeira páscoa para vós. e para mim.


domingo, 1 de abril de 2012

Toda a terra tem pólen. Flor de laranjeira, flor de limoeiro. A água silencia os corvos por breves dias e breves noites. Toda a terra cheira a vida e a morte. A terra não conhece a diferença, na terra os sons alternam-se com o silêncio, o movimento com a quietude, a água com o deserto. A chuva lava e hoje à tarde houve um concerto de pássaros, pareciam violinos ou os violinos são pássaros nas tardes sombrias de água. Ouço todo este silêncio perfumado e sinto em mim esta gratidão que tudo perdoa, como um sorriso imenso de reconciliação com a vida e a morte, a morte e a vida, o cheiro doce a cadáveres frescos e flores de citrinos da terra.

Onde morre o animal, nasce a árvore. Onde morre a árvore, nasce a chuva. Onde morre a respiração, nasce o sol. Num ciclo sem fim.


quinta-feira, 22 de março de 2012

e há aqueles que não merecem nem a espada nem o chicote. O que se quer é o bem-estar de todos e não apenas de alguns. Difícil? Com certeza. Na natureza humana sempre foram os vassalos que cumpriram os desígnios do egoísmo, da ganância e da crueldade. Contentam-se com restos, lutam ferozmente pelos restos, eternamente longe do portão, onde uns poucos se contorcem, gordos e vesgos, cheios de baba. E entre esses poucos e o resto da Vida, estão os vassalos, bastão em riste, arcontes patéticos de sexo fremente e flácido que batem em mulheres e crianças e homens cheios de sensibilidade, inteligência e coragem. Não merecem nem a espada nem o chicote nem o cuspo.

terça-feira, 20 de março de 2012

se eu pudesse reproduzir num frasquinho de cristal com a forma de uma flor pequenina o perfume do nosso jardim ao pôr-do-sol na primavera e oferecê-lo

segunda-feira, 12 de março de 2012

aquela palavra que diz tudo, não é uma palavra
gostava de saber o que é a fome, mas na minha sala apareceu-me a raiva. foi a criatura mais assustadora que enfrentei. a raiva, com os seus olhos vermelhos, a carne líquida e pegajosa a escorrer-lhe dos ossos, a tropeçar nos longos cabelos brancos, ralos, a raiva destruiu-me a sala. e eu fiquei quieta, no meu canto, enquanto ela mordia os meus amigos e me rasgava as pinturas, com garras afiadas e me mordia as palavras com dentes como punhais e me partia as mesas e os instrumentos de música e me queimava os livros com vómitos de fogo, a família pintada de cinzentos, a raiva entrou-me na sala e destruiu-me a casa e eu fiquei a olhar, quieta, olhos negros crivados nos olhos vermelhos da raiva, a sala a ser destruída, lá se vão as pinturas, os livros, as fotografias, os amigos foram-se, a família cinzenta, os que ficaram, deixei de os ver, mas ouvia-os, em sólida voz, mesmo com as palavras a quebrarem-se, os candeeiros a arderem. gostava de saber o que é a fome, disse eu à raiva e a raiva continuou, anos a fio, a partir-me tudo. mas o que é a fome, perguntei-lhe, olhos negros crivados nos olhos vermelhos, pensativa, diz-me o que é a fome. não havia mais nada para partir e só há raiva onde não há fome. a raiva fitou-me, exausta. o que é a fome? perguntei-lhe. a raiva saiu da minha sala, nunca fora convidada, a tropeçar nos seus longos cabelos brancos, a carne líquida a escorrer-lhe dos ossos, a casa destruída, a sala, os livros, a música, os amigos, a família, a raiva saiu-me da sala, exausta, a tremer.




quinta-feira, 8 de março de 2012

Todas as árvores nascem de uma semente. Menos a primeira árvore, cuja semente se transformou em semente por força de um sonho. É isso que os sonhos fazem. Criam impossibilidades. Os sonhos não são sementes. São caos. São desorganização e energia. Até que alguém pegue neles e crie com eles uma semente. Ou um ovo. São impossibilidades à partida, porque tudo ao redor deles, o que já é, luta contra eles. Isto porque a nova semente, o novo ovo, irá, com o tempo, destruir tudo o que é.

As crianças sabem sempre o que querem ser, quando forem grandes. Também eu, quando criança, o sabia. O problema é que nunca fiquei grande. Quando permanecemos crianças, não sentimos necessidade de transformar os sonhos em realidade. Continuamos a sonhar e os sonhos vão mudando e, com a ajuda dos que nos rodeiam e já não têm sonhos, mais pequenos. Quanto mais pequenos os sonhos, maior a quantidade. São niquitos de sonhos. Como pirilampos. São aos milhares, talvez biliões. Mas tão pirilampos e fugazes que nem damos conta deles, desaparecem antes que consigamos tocar-lhes, mas mantêm o nosso interior vivo e iluminado. Porque são muitos biliões de pirilampos.

Hoje é um dia especial, porque todos os pirilampos se uniram e criaram um sonho maior, assim como um elefante. Não é possível ignorar um elefante, mesmo que um elefante bebé. Quando surge o elefante, já nada consegue parar essa visão. Até hoje, os pirilampos eram esmagados debaixo de sapatos crescidos, mas não é possível os sapatos esmagarem um elefante. Até porque o elefante é invisível para os sapatos. A única mente que o vê é a mãe dos pirilampos e sonhadora do elefante. O elefante começa a andar e espera pela sonhadora. Ela terá de o acompanhar. A mãe dos pirilampos caminha agora com o elefante. Neste novo caminho, a mãe dos pirilampos terá de aprender a manter o elefante vivo, porque o elefante é a semente do caos.



sexta-feira, 2 de março de 2012

o ideal de um cão é, sem dúvida alguma,
uma cadela.
o ideal de uma cadela é, sem dúvida alguma,
um cão.

fazem muito barulho e têm muitas crias.

silenciosos, precisos, exactos são
os lobos.

por isso os matam.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012





Ai Orpheu, Orpheu! Por vezes temos mesmo de ir ao Inferno resgatar o Amor.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Enquanto a única diferença entre o senhor e o escravo for a mão que segura o chicote, homem algum será livre.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

quando tudo o que os alimenta é o sangue dos outros, porque não têm uma mulher que os ame, ou um filho que os admire, ou um único amigo em quem possam confiar, têm apenas o sangue dos outros, e os contratos que lhes permitem bebê-lo, porque não vêm a estrela do norte, a lua ou o sol, vêm apenas o vermelho escuro do sangue dos outros, que bebem sôfrega e amargamente, é natural que fiquem cada vez mais feios, chupados, com olheiras, porque o sangue dos outros bebe-os a eles.

[a propósito da entrevista a Ricardo Espírito Santo Salgado, presidente do Banco Espírito Santo 
e outros vassalos que quereriam ser como ele, sei lá eu porquê]

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Porque já ninguém olha para ela.

North Star May Be Wasting Away




quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Constituição da República Portuguesa, Artigo 21.º, Direito de resistência

Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, 
liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, 
quando não seja possível recorrer à autoridade pública.


Os menos afoitos podem exercer o seu direito da segunda forma mais bela: sorrindo. Quanto aos mais afoitos, deles tudo e nada se pode esperar. Podem tudo, até o nada mais belo.



terça-feira, 17 de janeiro de 2012



eles, os donos, cangam os
criados, vós, cangais os
bois, nós, não cangamos o
touro, ele, não (te) canga
tu cangas(te),
eu não me cango,
ca(n)ga-te



quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

a vulgaridade é sempre premiada com um estrondoso aplauso


 

A que regressamos? Porque regressamos? Porquê o aparentemente infinito regresso a não sei que ponto de não sei que céu? Que melodia é esta que nos une e separa, que pulsa e nos pulsa e nos toma o pulso? E porque é que pergunto, se tudo o que escuto é um eco?

surda. devo estar surda. cega. tudo se confunde, letras, imagens, criaturas, vivências, memórias. fecho os olhos à noite e viro-os para dentro              então        
                     vejo o universo. por vezes é preto e adormeço logo. por vezes tem estrelas e galáxias, como a música que me mantém desperta, quando tem cores, sossego, as cores e as batidas de coração nas partículas, um silêncio estrondoso, melodioso, tudo nasce e morre, a conhecer-se, a conhecer-se, a conhecer-se. eco. ecoo em tudo. tudo ecoa em mim. regresso. não sei se dormi.



To what do we return? Why do we return? Why the seemingly endless return to "I do not know which point of I do not know which heaven"? What music is this that binds and separates us, that pulses and senses us and experiences us? And why do I ask if all I hear is echo?

deaf. i must be deaf. blind. everything merges, characters, images, creatures, lives, memories. i close my eyes at night and turn them inside. then
i see       the universe. sometimes it is black and i fall asleep instantly. sometimes it has stars and galaxies, as the music that keeps me awake. if it has colors, i rest. the colors and heartbeats in  particles, an astounding, melodic silence. everything is born and dies, knowing itself, knowing oneself, knowing the self. echo. i echo in everything. everything echoes in me. return. i can not tell if i ever slept.



folhas soltas

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