Adormeci, janelas e portas abertas, como sempre acontece quando estou sózinha, tudo aberto, não sei o que é esse medo do fechado, com ou sem ti, sempre presente, quase obsessão. Os sons do jardim lá fora, os sons alegres dos animais, o restolhar das árvores e flores, a micro-floresta a crescer-me na alma num sábado à tarde, o canto dos espanta-espíritos que atraem os espíritos primordiais, embalo, embalo, embalo. Os cães, um enorme, outro pequeno, sonhavam, as patas a correrem por um horizonte sem fim, pequenos guinchos de alegria, inocentes, em casa há amor puro, sobram traços de raiva que apagas. E depois as chuvas, como na Costa Rica, água por todo o lado e o cheiro das coisas vivas e molhadas a entrar pelas janelas, pelas portas, mesmo pelas paredes que se desmoronaram, os teus braços, o teu cheiro e o da chuva, bocas e animais e um respirar vegetal. A música da água sobre a vida, os corpos. Toda a água reunida aqui, de onde viemos, tu e eu, a rastejar, como serpentes, frios e subitamente o calor, os teus braços a desenharem-me o sorriso nascente nas mãos, os meus braços a desaguarem no teu fogo, o cheiro da chuva e o teu fogo, desenhei-te um beijo no pescoço com a ponta do dedo e desaguámos juntos na água, em chamas.