terça-feira, 20 de setembro de 2011
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-Ihe, e ganhar-Ihe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar
José de Almada Negreiros
Poemas
Assírio & Alvim
domingo, 4 de setembro de 2011

o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.
os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.
por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.
os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.
foste eterna até ao fim.
José Luís Peixoto, in Uma casa na escuridão
Feliz aniversário, José Luís Peixoto.
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Para o meu melhor amigo

no regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias
tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite
prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume
ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência
Al Berto, in 'Sete Poemas do Regresso de Lázaro'
Fico sempre espantada quando vejo alguém em todo o seu esplendor, imagina assim, no cimo de uma montanha, a iluminar o mundo inteiro e essa pessoa me responde: não posso mudar.
Ela percebeu perfeitamente, porque no seu olhar li a resposta: esse que vês no cimo da montanha é um cristo e nenhum ser humano vivo neste momento consegue lá chegar.
domingo, 17 de julho de 2011
Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-la
a árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses
António Ramos Rosa
sábado, 2 de julho de 2011
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação
Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão
Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo da ameaça
Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.
Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in Obra Poética, 1919-2004
folhas soltas
cinco mais
-
Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtive...
-
Morning has broken like the first morning Blackbird has spoken like the first bird Praise for the singing, praise for the morning Praise ...
-
Todas as árvores nascem de uma semente. Menos a primeira árvore, cuja semente se transformou em semente por força de um sonho. É isso que ...
-
A diferença entre uma pessoa e um anjo é muito fácil. O principal do anjo está por dentro, e o principal da pessoa está por fora." Esta...