sexta-feira, 22 de maio de 2009
quinta-feira, 21 de maio de 2009
Porque a única coisa que podemos realmente dar aos outros, é quem nós somos… nada mais nos pertence, realmente. Se pensarmos bem, nem pertencemos a nós próprios, a vida muda-nos mas, em cada momento, em cada espaço-tempo, existimos, somos quem somos nesse espaço e nesse tempo, e são esses estados de alma que podemos partilhar.
Agarrei-lhe a proa e subi-lhe para cima.
Quem és?, perguntou-me, com um ar de despeito.
Chamo-me Inês. E tu?
Tenho o meu nome escrito à popa, se te quiseres dar ao trabalho, vai ver.
Percorri o convés de fibra. A capa da vela grande estava suja e gasta. O estai com enrolador não tinha a genoa. Via-se que era um pobre barco, ali parado e todo desprezadinho há imenso tempo. O nome lá estava, via-se mal, as letras quase sumidas, a côr quase irreconhecível: T nu el.
Tnuel!, exclamei eu. É um nome como outro qualquer. Em troca, só um silêncio pesado e ofendido.
Tnuel, estás muito aborrecido. Porquê?
Novo silêncio, ainda mais denso.
Se não te apetece falar, não fales. Andava simplesmente aqui, a passear pelas docas e vi-te com um ar tão enfastiado… pensei que gostasses de desabafar.O silêncio tornou-se menos denso.
Não és pessoa, pois não?, acabou por me perguntar, com uma voz mais levezinha.
Não. Não sou pessoa.
Então o que és? Tens nome de pessoa…
Sorri.
Não te chamas Tnuel, realmente, pois não? O que é que aconteceu ao resto do teu nome e a que é que ele soava? Tens dono? Porque é que estás com ar de quem não larga daqui há imenso tempo?O barco suspirou, o corpo a estremecer.
Por onde é que queres que comece? O meu nome completo é Tinúviel. Acho que tenho dono, mas ele abandonou-me. E por isso é que tenho este aspecto tão degradado e não saio daqui há anos. Nem o fundo me têm limpo e estou meio consumido pela osmose.
Tossiu ligeiramente, para exemplificar.
Viajei bastante, nos meus tempos áureos. Sou francês.
Parecia dizer aquilo com um certo orgulho.
Os meus primeiros donos eram francêses. E esses gostavam de mim. Mais tarde, quando mudei de dono, não foi mau. Diverti-me um bom bocado e percorri o Mediterrâneo todo. Visitei muitas ilhas…. Depois….
Suspirou profundamente e senti a vela grande a estremecer, dentro da capa velha.
Não sei que se passou. O meu dono desapareceu e fiquei para aqui aparvalhado…
Estava vento. Um vento forte de norte, fresco. As adriças do Tinúviel tilintavam no mastro.
Queres dar uma volta?
A sua expressão foi de espanto.
Tu não és pessoa, não podes sair comigo.
Dei-lhe uma palmada na retranca.
Posso. Com uma condição. Tens de mudar de nome e esquecer o passado..
Como é que eu faço isso?
Querendo., respondi.
E como é que me iria chamar?
Quando pronunciei o nome mágico, o vento soprou mais forte. As palavras soaram magicamente na manhã. Vi o barco concentrar-se com tanta força, que a vela grande e o casco se enrugaram ligeiramente e, de repente, a genoa grande e branca, orlada de azul, surgiu enrolada no estai. A côr do barco, de um creme sujo, transformou-se num branco nevado. A capa da vela grande desapareceu e a vela estava solta, também muito branca, meio descaída da retranca. Uma listra azul percorria-lhe o corpo e as letras do novo nome brilhavam ao sol da manhã. Os cabos de amarração soltaram-se e enrolaram-se devidamente. Como que conduzido por uma mão mágica, o barco deslizou para fora da doca. Quando chegámos ao rio, icei as velas e largámos em direcção à foz. O sol subia no céu, aquecendo o ar. O barco fez ouvir a sua voz, transformada, alegre:
terça-feira, 19 de maio de 2009
sábado, 28 de fevereiro de 2009
de beber, vida
após vida
sem princípio nem fim
quando me quebra em maremoto
oxigena as células
da alma, fogo ignoto
quero lá saber a dor
se o espelho do céu
bojador
és tu
sábado, 24 de janeiro de 2009
sábado, 10 de janeiro de 2009
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
Odeio gravatas. Ainda bem que não tenho que as usar. Olho para elas e vejo uma trela. Nem os meus cães usam trela. Considero a trela algo de humilhante, além de que eu própria não suporto nada enrolado à volta do pescoço. Olho para as gravatas e apetece-me puxá-las ou rasgá-las.
Odeio fardas, odeio fatos, odeio planos de negócios e orçamentos. Odeio analistas e economistas. Odeio planos de contingência. Odeio armas. Odeio carros. Odeio betão e alcatrão. Odeio rentabilidades e EBITDAs. Odeio o poder exercido em egoísmo. Odeio conversas de circunstância. Odeio o que fazem às crianças. Odeio a forma como o dinheiro é utilizado. Odeio os falsos sorrisos, as falsas amizades e as perguntas que não estão interessadas nas respostas.
Odeio chefes, directores e administradores e presidentes do conselho de administração. Odeio accionistas e planos de poupança.
Odeio agendas e relógios, odeio emparedamentos no tempo. Odeio grades e fechaduras e portas e janelas fechadas. Odeio modas e ditos politicamente correctos. Odeio perfumes artificiais e fast-food.
Odeio gravatas. Trelas. Mesmo as de seda. Ainda bem que não tenho que as usar.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
As paredes, não se leia paredes, medem-se pelo número de humanos, não se leia humanos, a quem conseguem suportar o esforço sem ruir. Neste sentido, científico e sistematicamente estruturado, ignorem-se duas vírgulas e três pontos, o mesmo que consolidou enquanto objecto de estudo dinâmico a interoperabilidade entre dunas de fraca consolidação, particularmente atreitas às rachadas tempestades, acrescente-se água, vindas do mais brusco e estúpido oceano, escolha-se um deles, a que a vossa memória profunda, medir a profundidade por meio de sistema hidráulico que comporte uma régua e um nível, possa aceder, virados a leste sempre que os cardeais, que não os padres, antes os pontos, que seria absurdo falar da religiosidade dos cardeais considerando-os referenciais da rosa-dos-ventos, use-se uma outra flor qualquer, assim o permitem, as paredes, não se leia as paredes, consolidam-se estrutura plana e côncava que suporta e abriga a humanidade, ignore-se a humanidade, leia-se outra palavra começada por h que não humidade. As paredes não são náufragos da história; espreguiçam-se em todo o esplendor quando há rasto de olhar humano, franzir a sobrancelha, que é quase uma constante, tão constante quão constante pode ser a constância da ida e volta, ida e volta, ida e volta das marés de gente, repetir sem parar. Paredes a olhar olhos humanos, usar ditongo, olhos humanos a olhar paredes, usar não ditongo. Tão antiga é a parede que não se sabe quem primeiro chegou, se a parede se o olhar, que a obra é anterior ao olhar, mas antes de ser parede já o olhar. Se o olhar forma a parede, é a solidez da rocha que lhe consolida o carácter, substituir por uma outra palavra que não use do verbo ser, e esse, não obstante o peso do olhar, use-se uma balança de pesar-olhares, não se compadece com a tecedura, sentir o tecido a escorrer pela mão esquerda, de olhar verde, azul, castanho, preto, amarelo, vermelho, multicolor: as paredes não se medem pelo olhar, ignore-se a letra h duas vezes consecutivas, nem pela cor dos olhos que as olham: as paredes medem-se pelo número de humanos a quem conseguem suportar o esforço sem ruir com ruído ou com ruído sem ruir. Chegar ao final e não recomeçar.
Paulo Melo Lopes
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
folhas soltas
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