quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Há dois blogs de livrarias de que gosto muito. O primeiro foi o da Pó dos Livros. Gostei tanto, que passei a ir lá comprar livros. Seguiu-se o da Trama. Quando comecei a segui-lo estava em fase de mudança de instalações. Ainda não fui lá comprar livros, mas irei. Estes blogs proporcionam-nos algo que os blogs das editoras, só concentradas em vendas e lucro, não fazem. Permitem-nos folhear os livros, partilham connosco pequenos excertos que nos fazem sentir exactamente assim: dentro da livraria, com o livro na mão, a folheá-lo. Este é para mim, este não é. Permitem-nos também conhecer um pouco as pessoas que respiram dentro daquela livraria. Dão algo de si, essas pessoas. São pessoas, não são marketeers, o que quer que isso seja, como "consumidor" ou "eleitor" ou "cliente", o que quer que isso seja, será que sequer existe?
Lembro-me de quando comecei a ler livros. Devia ter uns seis anos. Escolhia os livros pelo princípio. Se queria continuar a ler, pedia o livro. A caminho da idade adulta, comecei a escolher os livros pelo fim. A maior parte das pessoas ficava horrorizada: vais ler o fim dos livros? Vou. Que interesse tem? Quero saber para onde vai o livro, se quero ir parar àquele lugar ou não. Mas estragas a surpresa. A surpresa está no meio. Não sei exactamente quando comecei a escolher os livros pelo meio. O meio é vasto. Abro o livro algures no meio. Este foi escrito para mim. Este, não conheço aqueles para quem foi escrito. Este, não quero conhecer aqueles para quem foi escrito. A surpresa está no meio, eu já sabia. O meio é vasto. Já não me interessa o fim, porque o fim é sempre o mesmo. Já não me interessa o princípio, porque o princípio é sempre o mesmo. Interessa-me algo que está no meio. A viagem. Pouco interessa como começa e como acaba. Tudo começa e acaba. É o caminho que faz a diferença. E agora que penso nisso, sei que o meu relacionamento com os outros evoluiu da mesma forma. As pessoas encontram-se e separam-se - quanto mais não seja, porque morrem - não interessa como se cruzaram, como se separaram. Porque ficamos tanto tempo a pensar nisso? Não interessa. O que interessa é a viagem que fazem juntas, o que acontece nessa viagem, como se transformem, como evoluem ou regridem. A mudança está no meio. 
Lembro-me de quando comecei a ler livros, não me lembro de quando comecei a ler pessoas. Li pessoas antes de ler os livros. Ao contrário dos livros, que podia escolher, não podia escolher as pessoas, era obrigada a lê-las, até ter aprendido a não o fazer. Aprendi a também folhear pessoas. Leio o meio. Não me interessa o seu princípio nem o seu fim. Interessa-me saber em que viagem estão. Ao contrário dos livros, não posso escolhê-las, não posso escolher com quem viajar, tal como um livro não pode escolher outro livro para ler. Também não posso escolher sair da livraria, a livraria é a vida. Poder, até posso, mas sair da livraria por causa de um livro, não faz muito sentido. Há outros livros. Por vezes podemos até querer sair da livraria por causa de apenas um livro, uma pessoa. Mas aí, teríamos lido o livro que não queríamos ler. O meio é vasto, a livraria é vasta e há muitos livros que foram escritos para nós. Há uma viagem que temos que fazer e essa viagem é aquela que nos faz feliz, não a que nos faz chorar.
Isto tudo por causa da Pó dos Livros, e da Trama, e da Tasca do Tareca, que não digo onde é, porque é uma pequena jóia no meio das Avenidas Novas, onde voltei a sentir prazer com uma refeição, ao fim de quase três anos.
A livraria é vasta. O meio é vasto. A surpresa está no  meio.

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