quinta-feira, 20 de setembro de 2012

     E chamou Deus à luz Dia; e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro.
     ... e fez a separação entre as águas que estavam debaixo do firmamento e as águas que estavam por cima do firmamento. (Génesis). 
     ... e eis que havia um grande terramoto: e o sol tornou-se negro como um saco de silício: e a lua tornou-se como sangue. 
     E as estrelas do céu caíram na terra, como quando a figueira lança os seus figos verdes, abalada de um grande vento: 
     E o céu retirou-se como um livro que se enrola: e todos os montes e ilhas se moveram dos seus lugares.
     E vi os mortos, pequenos e grandes, ... e foram abertos os livros. (Apocalipse). 
     Irmãos Humanos que depois de nós vivereis, não nos guardeis ódio em vossos corações. (François Villon). 
     Ah, como custa falar desta selvagem floresta tão áspera e inextricável, cuja simples lembrança basta para despertar o terror. 
     Denso granizo, águas negras e neves caíam do espaço tenebroso. (Dante). 
     Maravilha fatal da nossa idade. (Camões). 
     Rasgou os limbos a antiga luz das fábulas, luz terrivel que os homens e as mulheres beijavam cegamente e a que ficavam presos pela boca, arrastados, violentamente brancos - mortos. E essa colina subia e girava, puxando pelos lábios os seres deslumbrados e aniquilados. E dentro desta luz e desta morte, os sons amadureciam. Em baixo, vermeIhas, estalavam as cúpulas. (Autor). 

     E as estrelas do céu caíram na terra, como quando a figueira lança o seus figos verdes, abalada de um grande vento. E eis que havia um grande terramoto, e o sol tornou-se negro como um saco de silício e a lua tornou-se como sangue. E fez-se a separação entre as águas que estavam debaixo do firmamento e as águas que estavam por cima do firmamento. E o céu retirou-se como um livro que se enrola e todos os montes e ilhas se moveram dos seus lugares. Denso granizo, águas negras e neves caíam do espaço tenebroso. Rasgou os limbos a antiga luz das fábulas, luz terrível que os homens e as mulheres beijavam cegamente e a que ficavam presos pela boca, arrastados, violentamente brancos - mortos. E essa colina subia e girava, puxando pelos lábios os seres deslumbrados e aniquilados. E dentro desta luz e desta morte, os sons amadureciam. Em baixo, vermelhas, estalavam as cúpulas. E vi os mortos, pequenos e grandes, e foram abertos os livros. Ah, como custa falar desta selvagem floresta tão áspera e inextricável - maravilha fatal da nossa idade -, cuja simples lembrança basta para despertar o terror. Irmãos Humanos que depois de nós vivereis, não nos guardeis ódio em vossos corações. 

     ... E chamou Deus à luz Dia; e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro...

     Ah, como custa falar desta selvagem floresta tão áspera e inextricável, cuja simples lembrança basta para despertar o terror. 
     E vi os mortos, como quando a figueira lança os seus figos verdes, entre as águas que estavam debaixo do firmamento, águas negras, e a lua como sangue, denso granizo e neves do espaço tenebroso. E as estrelas do céu e as águas que estavam por cima do firmamento caíram na terra, e eis que havia um grande terramoto, e rasgou os limbos a antiga luz das fábulas, e foram abertos os livros. E dentro desta luz e desta morte, os sons amadureciam. Os homens e as mulheres caíam cegamente pela boca, e o sol tornou-se negro como um livro que se enrola, e todos os pequenos e grandes montes e ilhas se moveram dos seus lugares. Abalada de um grande vento, a luz terrível subia e girava, puxando violentamente os mortos brancos que ficavam presos pelos deslumbrados e arrastados lábios ao céu que se tornou como um saco de silício. E os seres aniquilados beijavam essa colina, e em baixo o céu retirou-se, e fez-se a separação, e estalavam as cúpulas vermelhas. 
     Maravilha fatal da nossa idade...

     E chamou Deus à luz Dia; e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro...

     Irmãos Humanos que depois de nós vivereis, não nos guardeis ódio em vossos corações. 
     Na maravilha desta luz inextricável, vi os homens e as mulheres que estalavam como estrelas, como figos deslumbrados. E o sol negro e a lua de sangue caíram no vento, nas águas, na terra, caíam da selvagem figueira por cima do firmamento que subia e girava como um livro terrível, uma colina que se enrola. E eis que se rasgou um grande terramoto de águas verdes no céu de silício violentamente baixo. E os seres moveram-se dos seus lugares pelo granizo tenebroso, puxando as cúpulas, os sons, os mortos abertos. E havia águas negras na luz abalada, na áspera floresta dos limbos, e as ilhas vermelhas e os montes arrastados amadureciam no terror da nossa idade. No espaço das fábulas os mortos, cegamente presos, estavam aniquilados pelos lábios e beijavam a grande luz, a grande morte. E fez-se a separação entre a boca e os livros. E quando as águas e as neves estavam dentro do céu, de cuja antiga lembrança custa falar, eu vi os mortos brancos despertar debaixo do céu fatal, e ficavam pequenos e grandes. E estavam todos mortos. Denso granizo, águas negras e neves caíam do espaço tenebroso.

     ... E chamou Deus à luz Dia; e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro...

     ... presos pela boca violentamente brancos os mortos amadureciam 
     dentro desta luz ficavam as mulheres puxando as fábulas vermelhas 
e
     a terrível colina subia pelos sons deslumbrados
e
     os limbos estalavam
e
     a luz rasgou cegamente os seres aniquilados
e
     cúpulas beijavam os lábios arrastados na luz 
e
     a morte antiga girava em baixo com homens... 

     ... E chamou Deus à luz Dia; e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro... 

     ... luz selvagem... e terramoto que se enrola de estrelas... e água abalada... inextricável... o sol num saco de vento... e a lua debaixo das ilhas que se moveram... e livros em silício dentro dos mortos verdes... e coração dos figos abertos... maravilha nos grandes lugares por cima... e montes como dentro das águas negras... espaço... separação... e mulheres vermelhas com cúpulas... a antiga colina do firmamento... e homens violentamente... sons cegamente... e seres arrastados do céu da boca para... luz selvagem...

     ... E chamou Deus à luz Dia; e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro... 

Herberto Helder, in Ofício Cantante, p. 217-221 (1963)

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