sexta-feira, 10 de julho de 2009


Ezequiel 10:14


E cada um deles tinha quatro rostos:
o primeiro, era o rosto de um touro
e o segundo o rosto de um humano,
e o terceiro o rosto de um leão
e o quarto o rosto de uma águia.

Árvore da vida
irmã, guardo-te com a flama,
quatro nomes e quatro rostos, terra,
mar, fogo e vento.
Onde está o meu irmão?
Não há abraço
na mentira.
Sobra o fogo:
keruvim araiot.
Cálice de luz, sei
todos os nomes, encontrarei
o que te perdeu,
será teu,
na tua
mão.

A alma não acorda. Já tentei várias vezes arrancar-lhe o punhal que tem cravado entre as frágeis asas, mas em vão. O punhal é estranho. Parece cristal, mas não é sólido. Cada vez que tento puxá-lo, enterra-se mais e estende pelas costas da alma uma espécie de pequenos tentáculos de água, que seguram as asas de encontro às margens delicadas do ser etéreo. Retiro a mão e os tentáculos desaparecem. Não são realmente água. Já tentei senti-los. Estão muito quentes e emitem luz, como se fossem de matéria plasmática. O corpo e a mente já acordaram. Só me falta acordar a alma, mas sem tirar o punhal, não consigo. Pela primeira vez, não sei o que fazer. Preciso compreender como surgiu este punhal e de que material ou energia é feito. Sem a alma, não sei para onde vamos. Já descansámos o suficiente. Posso abandoná-los aos três e partir, mas sei que ainda não chegou o tempo. Estou agora aqui confinada a este espaço, onde existe apenas uma estranha mistura de penumbra e claridade. Senti-a sonhar, a noite passada. Invocou Raziel. Não faço ideia o que pretende do querubim. Não se devem invocar os querubins sem mais nem menos. Mas como a tonta, como de costume, não sabe o que está a fazer, resta-me esperar. O corpo recupera devagar, mas de forma segura. A mente, a mais cobarde de todas, ainda treme. Aqui o tempo foi silenciado, o que ainda me preocupa mais, pois sem a música do tempo não faço ideia se isto pode ter um fim. Isto, este intervalo forçado num buraco do tempo, com a alma a dormir, o punhal cristalino enterrado entre as asas. Não que esteja desconfortável. Só me sinto incomodada. A maior parte da luz que aqui existe vem do punhal. Não gostava que ele se apagasse. Mas sei que tenho de arranjar uma forma de o arrancar ou de o enterrar de vez dentro da alma. Só que não sei se ela poderá voar com o punhal enterrado lá dentro. É importante compreender primeiro as coisas antes de lhes tocar ou de as forçar a algo. E a única forma absoluta de compreensão é através do amor. Tento amar o punhal, mas não consigo. É demasiado estranho. Nunca vi tal coisa. Vou ter de aguardar. Sento-me e dou pequenos toques na alma. Nada. No sítio onde depositei os toques, surgiram pequenos jasmins brancos. Suspiro. Sinto pela primeira vez com dor a ausência da música. O silêncio dói. Mas isso já eu sabia.

1 comentário :

  1. Este conto,está ficar muito interessante.
    Será o punhal de Kadosh,iluminando a Alma
    pelo sopro do Amor e da Sabedoria?

    Muito bom Laura,30º!

    Abraço.

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folhas soltas

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