sexta-feira, 3 de julho de 2009


Porque tu já não estás aqui. Nunca estiveste. E o dia da minha partida aproxima-se. Por isso, quero escrever-te, não direi que pela última vez. Quero escrever-te agora, que já partiste e eu ainda aqui estou, de pés descalços, alma, mente e corpo em total desalinho, desalinhados do espaço e do tempo, em desarmonia comigo e contigo, as malas de vento prontas, só vento, pois nada mais possuo para levar comigo. E o vento sopra-me no rosto, por vezes gelado, outras apenas frio, e traz o cheiro do rio e do mar e da humidade das ruas e prédios e dos corpos dos outros, que passam. E tu já não estás aqui. Assim, parto sem poder despedir-me, mas também não gosto de despedidas, embora esteja sempre a despedir-me, mas só eu sei como as odeio, às despedidas. E estas cores com que pintei a vida, gostava de ver-me livre delas, mas não consigo. Queria apenas dizer-te as palavras que já não tenho ou a única palavra que não disse, a única que verdadeiramente importa, mas também sei que não a direi. Não vale a pena dizer uma palavra que morre na minha boca uma e outra vez porque não a ouvi da tua. Essa palavra não a direi. Faz-se tarde. Se não me encontrares, procura-me no vento, ou não me procures ou procura-me sem me encontrares, ou procura-me e encontra-me, mas será que estarei aqui? Obrigada, queria dizer-te obrigada, por ter-te encontrado, mesmo tarde, por te ter conhecido, por teres cruzado a minha vida ou teres-me deixado cruzar a tua, por breves instantes. Um dia a palavra saiu-me, mesmo morta, viva, sete vezes sete vezes noves fora quatro, quatro foram as luas durante as quais caminhámos lado a lado e saiu-me. Doeu-me a palavra, saída assim da boca, não, da alma, não, do corpo, não, de todo o meu ser, uma palavra surda, sem som, que se perdeu e não ouviste. Não peço mais perdão. A alma, porque é tonta, ouviu palavras da tua boca que não existiam, leu loucuras onde havia apenas bom senso. O corpo devorou o silêncio das palavras mortas. A mente tentou equilibrar as coisas, em vão. Dói-me não estares aqui. Fico feliz por não estares aqui. Estas são as não-palavras. Não sobrou nada. Não sobrou nada. Pego no vento, sinto o vento outra vez. Não. Vejo o futuro. Não estarei lá. Nem tu.

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