quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
Que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
Ardente e nua
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa
É então que se vê passar o silêncio
Navegação antiquíssima e solene
Sophia de Mello Breyner
domingo, 6 de dezembro de 2009
ou de uma parte dele que está pelo todo
e fora dos eixos do mundo.
Rodas a partir da cintura, estendes um braço,
há um músculo que se ilumina, uma onda
vertical em que tu própria te subisses;
então uma perna flecte-se, e o outro pé fica em ponta
oblíquo sobre o mundo que nesse instante
se suspende.
Há uma rotação do teu corpo –
Andas pela casa: és um leve rumor sob o silêncio
um rumor que alumia a sombra silenciosa;
na sala, o homem quase surdo quase cego
ouve-te, julga reconhecer-te: vens aí.
Estás aqui. O intervalo de tempo já começou:
há uma rotação no teu corpo
que me exclui do mundo e
entretanto é feita para mim; atinge-me
à velocidade da luz.
E eu o homem quase surdo quase cego
sou tomado pelo vento do fogo que me consome
até ser apenas a última brasa: pequenas ravinas de luz
o incêndio restante sob a exausta crosta da terra
Estavas, estiveste ali.
O tempo recomeça.
Apareces e desapareces.
Como a luz do farol disparando no céu sobre as casas
ou como o anúncio luminoso do prédio em frente
que varre intermitente a obscuridade do quarto no filme.
Quando voltará?
É como se soubesses
que voltará, sim, e que não, não poderá voltar.
Quando, e se voltar, serei eu talvez
quem já lá não está. Quando
é quando?
Quanto tempo ainda poderá o mundo voltar
à possibilidade dessa forma?
Manuel Gusmão (excerto)
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Grandes pássaros que fitam
Meu transpor tardo de os ver.
São aves cheias de abismo,
Como nos sonhos as há.
Hesito se sondo e cismo,
E à minha alma é cataclismo
O limiar onde está.
Então desperto do sonho
E sou alegre da luz,
Inda que em dia tristonho;
Porque o limiar é medonho
E todo passo é uma cruz.
Fernando Pessoa, in Cancioneiro
domingo, 29 de novembro de 2009

[...]
A nossa casa estava toda envolvida em hera. Vista da montanha, a nossa casa era um pequeno monte de verde com janelas, com uma varanda e com um brasão de pedra. Estivera a escrever toda a noite e, no banco ao meu lado, tinha já trinta páginas escritas. Ao escrevê-las, sentira palavra a palavra, quase letra a letra. Eram as trinta páginas mais importantes da minha vida. Ao escrever, tinha vivido. Eram trinta páginas que eram o meu amor todo e a minha esperança. Sentado à escrivaninha onde os anos passavam, olhávamo-nos muito: ela dentro de mim e o meu olhar dentro de mim, junto dela. O meu braço tremia e, com a esferográfica, escrevia em folhas brancas cada uma das palavras que a diziam. Ela sentia as palavras a tocarem-na. Ela fechava lentamente os olhos. E o tempo em que mantinha as pálpebras fechadas era tocar-me, era tocar o sol, e, na pele, absorver toda a sua luz. Eu, que não podia ter nos braços aquela vida interior que era a minha vida toda, que não podia dar-lhe a mão, que não podia sequer passar-lhe os dedos devagar pelo rosto, fazia tudo isso escrevendo.
José Luís Peixoto in Uma Casa na Escuridão
sábado, 28 de novembro de 2009
Será que podemos reinventar-nos? Perguntou hoje alguém.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

terça-feira, 24 de novembro de 2009
Não há um último pensamento em si e por si.
Em alguns
insectos machos, há um último acto, que é de amor, após o qual morrem.
Mas não há pensamento que esgote as virtualidades do espírito.
Há
porém uma estranha tendência (em todos os espíritos de certa ordem) que
é a de avançarem sempre rumo a não sei que ponto de não sei que céu.
Paul Valéry
via Trama, Introdução ao Método de Leonardo da Vinci
Um filme de Giuseppe Tornatore. Um filme sobre a vida, sobre a infância, a adolescência, a maturidade e o envelhecimento, o cair das folhas dos sonhos ao longo do caminho e uma amizade que sobrevive a tudo, entre um velho e um rapaz.
segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Talvez porque só veja dentro do círculo.
Fotografia: Cheyenne Glasgow
folhas soltas
cinco mais
-
Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtive...
-
Morning has broken like the first morning Blackbird has spoken like the first bird Praise for the singing, praise for the morning Praise ...
-
Todas as árvores nascem de uma semente. Menos a primeira árvore, cuja semente se transformou em semente por força de um sonho. É isso que ...
-
A diferença entre uma pessoa e um anjo é muito fácil. O principal do anjo está por dentro, e o principal da pessoa está por fora." Esta...